sexta-feira, 10 de setembro de 2010

GEORGE IVANOVITCH GURDJIEFF AINDA NO SÉCULO 21

George Ivanovitch Gurdjieff

Passados mais de quarenta anos após a morte de Gurdjieff, o que restou do seu trabalho e das suas idéias?
Atualmente as suas idéias, conceitos e métodos agora podem ser reanalizados pelos modernos conceitos da psicologia, da medicina e principalmente, dentro do campo da neuropsicológica?
George Ivanovitch Gurdjieff foi um grande Mestre Espiritual e procurar destacar o seu aspecto "moderno" e, inovador é inseri-lo no século XXI: "Um homem do século 21". Pelo contato que tive com relatos e praticas aplicada por alguns dos seus discípulos acredito que não gostaria de ser apenas apelidado de "Um santo do século 21...".
Podemos atualmente dispor de uma ampla bibliografia sobre o conjunto das idéias e práticas de Gurdjieff que, aliada à realização de pelo menos um filme baseado no seu livro, "Encontros Com Homens Notáveis", pelo cineasta inglês Peter Brooks, permite com que tenhamos um vislumbre das concepções básicas do seu "Trabalho" e o que nos delegou como exemplo.
O que afinal das contas, nos deixou Gurdjieff? Podemos iniciar essa tentativa de simplificação a partir da sua idéia de que o homem, tal como existe na atualidade, se observarmos os seus comportamentos e reações, não pode ser encarado como um ser plenamente consciente, no domínio pleno das suas potencialidades mentais, emocionais e mesmo, dos seus movimentos físicos. O Ser Humano "normal" não pode ser considerado “desperto". Segundo Gurdjieff está “dormindo” de olhos abertos.
Como Gurdjieff pretendeu comprovar mostrava que além de estar "dormindo ", o Ser Humano apresenta, no decorrer da sua vida cotidiana, um conjunto de comportamentos e reações que só podem ser considerava como automáticas ou "condicionadas". Deixa-se deliberadamente ser provocado e controlado pelo meio ambiente externo.
Esse condicionamento estaria não só presentes na esfera das suas atividades físicas, mas e principalmente também no nível da sua emotividade e nos seu pensamento simplesmente associativos, pouco restando de possibilidades para uma real expressão criativa espontânea e original.
Essa idéia não choca, esses conceitos do "Ser Humano adormecido" não representa uma idéia gurdjeffiana original, já que podemos identificar conceitos semelhantes dentro do Budismo e nos Filósofos Pré-Socráticos assim como na Tradição Cristã. No episódio do Monte das Oliveiras, onde Cristo sofre a agonia da antecipação do seu sacrifício, enquanto que os seus discípulos dormiam.
Da mesma maneira podemos identificar o mesmo tema dentro da Tradição Sufí ou expressas em frases e comentários feitos pelo Profeta Maomé.
A proposta de trabalho de Gurdjieff para tentar agir sobre esta situação parte do pressuposto que todas as vezes que o ser humano perde o contato com a sua própria identidade, ou seja, a sua "sensação de ser", ocorre uma espécie de "transferência" quase que automática e instantânea da qualidade de atenção centrada nessa sensação interna de "Ser", para algum estímulo exterior que venha a lhe "despertar a atenção" naquele momento. Assim, com a sua atenção sistematicamente e automaticamente é só voltada para reagir aos estímulos exteriores, o Ser Humano passa a se esquecer de “Si Próprio" e "dorme” ausente interiormente em conseqüência.
A chave para o "despertar", portanto, estaria inicialmente no "Lembrar-se de Si Mesmo” pelo menos toda a vez que conseguisse produzir energias para realizar isso. Depois de um treinamento adequado ter deslumbre mais permanente de “Consciência de Si”. Perceber que a dimensão individual não viesse a se perder naquilo que Gurdjieff chamou de "Identificação Externa". A definição do termo "externa" não implica nos eventos externos ao corpo/organismo do Ser Humano, mas sim, de quaisquer elementos de suas atividades rotineiras do dia a dia ou interior; associações de pensamentos e imagens, preocupações, ansiedades e principalmente, a fabulosa quantidade de fantasias que produz o que faz com que uma sensação de "Ser" esteja deslocada do seu verdadeiro lugar.
A solução Gurdjeffiana para esta diminuição da qualidade e intensidade da consciência está no treinamento da função psicológica da atenção nas suas diversas tonalidades. Este treinamento visa uma sensibilização e reforço da capacidade da concentração e manutenção do seu foco em objetos definidos, no caso, na própria sensação de "Ser" de maneira contínua. Isto se assemelha às técnicas clássicas preconizadas por alguns Mestres de Ioga, Zen-Budismo e outros métodos e “meditações” menos conhecidas e praticadas ainda atualmente.
Nessa sua incapacidade de manter um nível mais profundo e focado de atenção, dizia Gurdjieff, organismos especiais internos após algum tempo não são mais capazes de reconhecer a sua própria identidade e passam a ficar "fascinado" com o desenrolar dos acontecimentos externos de si mesmo, entrando numa espécie de "transe" onde a característica principal é a perda do sentido de "Eu". A esse "transe" Gurdjieff denominava de "vida cotidiana". Gurdjieff associava esse processo a uma diminuição da consciência humana, um processo que ele considerava universal e inevitável para a grande maioria da humanidade com exceção de alguns poucos capazes de realizarem os intensos esforços necessários para virem a se libertar do "horror da atual situação humana".
Em seus treinamentos Gurdjieff realizava "exercícios" para o desenvolvimento e elevação de níveis desejáveis da atenção. Estes exercícios exigem esforços consideráveis para serem realizados. Os seus exercícios físicos eram realizados com diferentes e complexos tipos de movimentos e posturas. Danças complexas e dessincrônicas, que foram planejadas no sentido de exigir o máximo possível da atenção, onde o componente emocional é desnudado e desafiado a mudar as suas reações habituais. Também ativavam funções intelectuais, como por exemplo, ser capaz de realizar exercícios de contagens e operações matemáticas mentais; ser capaz de trabalhar rapidamente com jogos de palavras e imagens visuais, etc. Ser capaz de colocar a atenção em diferentes tarefas intelectuais ao mesmo tempo com a finalidade de desenvolver rapidez e destreza de raciocínio, ser capaz de encontrar diferentes perspectivas e respostas para o mesmo tipo de problema ou situação proposta, etc.
Estas são apenas algumas técnicas que fazem parte de um conjunto maior do legado de Gurdjieff, que representa um currículo de atividades propostas de forma individualizada de acordo com as necessidades, qualidades e defeitos de personalidade que o indivíduo participante pudesse apresentar com maior evidência.
A partir desses treinamentos da atenção, pode-se chegar à "Auto-Observação" ou, seja, uma forma especial da atenção voltada temporariamente, podendo ser prolongada, à observação dos comportamentos, reações, processos psicológicos individuais que, quando realizada durante um determinado período de tempo, permite a identificação de conjuntos correlatos de comportamentos e reações que definem a atuação de "Eus particulares" que surgem em determinados contextos, como por exemplo, um "Eu Profissional" em contraposição a outro “Eu eventual qualquer”.
O objetivo da técnica é a produção de um "Eu Observador" capaz de observar com absoluta imparcialidade os fenômenos de expressão e reações da personalidade que agora passa a ser percebida como extremamente mutável inconstante e sensível a estímulos externos. A partir deste "Eu" é possível chegar a uma estrutura de personalidade mais estável, capaz de modificar e corrigir de maneiras eficientes determinados padrões de comportamento considerados inaceitáveis em Si mesmo.
O objetivo de todo esse processo seria tentar construir uma “Consciência Objetiva” com "características individuais”, ou seja, o padrão mais freqüente de expressão da personalidade do indivíduo que, por ser muito ativo, costuma ser desconsiderado na maioria das vezes simplesmente por ser extremamente óbvio. Gurdjieff costumava expor tais "características principais" ao atribuir aos seus discípulos, apelidos freqüentemente constrangedores, diretamente vinculados às suas características principais de tal maneira que o uso repetido do apelido sempre funcionava como uma espécie de "Recordação de Si Próprio".
Para finalizar esta apresentação extremamente superficial e limitada das idéias e conceitos gurdjeffianos, torna-se necessário localizar o "Trabalho" de Gurdjieff após a sua morte. No momento atual, o "Trabalho" está sofrendo um processo de maior divulgação e análises amplas, sendo que como indicou em alguns de seus relatos escritos a fonte original de alguns de seus conhecimentos está ainda vivo em algumas organizações, ora espalhadas por todo o Mundo e dirigidas por Mestres autorizados a ter discípulos e a ministrar esses ensinamentos atualizados para a compreensão dos Seres Humanos atuais. Até uma das suas sedes podem estar bem perto de nossas moradias e o Mestre principal cruzar comumente por nós cotidianamente e não ser identificado.

- Com os textos de George Ivanovitch Gurdjieff; P. D. Ouspensky;
Murice Nicoll; K. R Speeth; Collin Wilson; H. Shushud; J. G.
Bennett; Idries Shah; R. Lefort; J. Webb; Boris Mouravieff;
Charles Tart, entre outros escritos.